“Olá muito prazer. Sou esta percepção.”


Caminhava pelo jardim absorvendo as cores primaveris e as formas orgânicas que à sua volta dançavam para si.
Caminhava devagar com os braços caídos e com a sensação de tudo a penetrar intensa e suavemente ao mesmo tempo. O azul do céu era também suave e intenso, de um tom vibrante e vivo que contrastava com o seu estado de sonolência.
Caminhava sentindo os passos . E a cada passo reparava na ausência de conteúdo mental que aquela sonolência lhe trazia. Tranquila e vazia caminhava devagar sem que essa ausência a incomodasse.
A luz do Sol batia forte nas suas vestes brancas e relaxava os seus músculos flácidos e aquecidos. O seu corpo encontrava-se completamente rendido às sensações de moleza. Ema caminhava... e caminhava de tal forma vazia que tudo tinha mais que espaço para nela entrar. Toda a experiência sensorial por completo a envolvia.

Observava as pessoas nas suas mais variadas formas de estar e agir. Observava os comportamentos de quem por si passava... E lá ia divagando ao sabor do que via com a noção de estar somente a divagar, a especular, a imaginar... Pouco coisa acreditava saber e mesmo assim por vezes duvidava saber sequer alguma coisa. Era por isso que somente sabia imaginar, especular e divagar. Por mais inteligentes que pudessem parecer ser alguns desses seus mergulhos introspetivos.
Ema sabia que os seus divagos e introspeções sobre o que via diziam muito mais respeito a si mesma do que ao mundo em si que por si era absorvido. Sentia-se fortemente a si mesma como um filtro. Pensou: “Olá. Muito prazer. Sou esta percepção.”

Sentou-se debaixo de uma árvore num daqueles raros momentos em que apenas o chilrear dos pássaros salpicava o silêncio. Ficou a escutar... até que se deitou na relva onde agora olhava a geometria orgânica e desalinhada das árvores. Toda esta sinfonia composta de formas, cores e sons era como um espelho para si e ao mesmo tempo tudo a penetrava sem nada saber sobre o que a penetrava... Que trip! Tudo misterioso, vibrante, intenso, vivo: Ema tinha os olhos de uma criança... Mas já não o era...


O aparente o mundo exterior que percecionava estava todo dentro da sua forma de o percecionar tão óbvia e tão constantemente como é respirar. “Estamos sempre a fazê-lo mesmo quando esquecemos...” - Pensava.
Ema não conseguia deixar de reparar nos fenómenos misteriosos de se estar vivo. Não conseguia deixar de sentir o mistério constante das coisas... E era sobre sobre esse mistério que a sua mundividência se fechava.
Algo nela vibrava... uma alternância entre bem estar e frustração acerca disto... O fascínio e o tédio oscilavam cada vez mais no seu sentir... assim... vibrante e instavelmente.
E era esse mesmo oscilar quase febril que a levava a pôr mãos à obra. Mais uma vez... uma e outra vez depois... de um mergulho intenso na observação da sua própria especulação sobre a sua própria percepção.
Ema já estava familiarizada com todos estes seus movimentos internos... algo nela permanecia calmo, tranquilo e sereno... no fundo... no fundo, talvez algures no centro.
Mas é claro que a vida não permite a ninguém viver somente sentindo o centro. “Centro do quê?” Para haver centro tem de haver algo mais do qual o centro é o centro. Certo?
É a vida!” - Pensou Ema...

E seguiu caminho por entre flores adentro...



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