Rasto Involuntário como forma de Arte

Enquanto pintava, depositando toda a minha atenção no que fazia... notei que o que estava a fazer criava mais coisas do que aquelas que eu estava a fazer propositadamente. Um ato voluntário gerava consequências propositadas e, ao mesmo tempo, gerava outras consequências não propositadas e impossíveis de prever: Um rasto espontâneo.
Traços e manchas de tinta surgiam marcando o ambiente em meu redor como que um rasto, um vestígio da minha passagem e da minha ação. Objetos a que eu não dei muita atenção surgiam perante mim marcados como que numa surpresa, como que por magia... A bruta e delicada natureza de como a tinta derramada, atirada, manchada, pingada ou salpicada surge perante mim tem uma beleza muito única... E é quando essa pintura surge, fruto da minha ação mas não da minha intenção, que posso admira-la como algo não meu e meu ao mesmo tempo:
Pessoal e impessoal; fruto da minha expressão mas não da minha intenção; eu a comunicar com o mundo e o mundo a comunicar comigo; algo que vem de mim mas que também entra em mim como se não fosse meu.
Trata-se de Arte Involuntária, como lhe chamei, tornada consciente. É um rasto, uma pegada, um vestígio, uma parte da cultura...

Senti vontade de abraçar esse rasto involuntário, e pensei ser possível torna-lo mais consciente de si mesmo e quase propositado... Mas como?
É simples. Por brincadeira ou por mera loucura da minha parte: Pensei em começar a deixar objetos à mercê destes gestos marcantes. Comecei a depositar objetos como pedras, troncos, pinhas, papeis e tábuas no espaço onde costumo pintar. Espalhei-os à volta do lugar onde cuidadosa e atentamente realizo a minha pintura de forma intencional.
Pensei: E se colocar estes objetos aqui de propósito com a intenção de os vir a sujar? E se os deixar aqui o tempo que for preciso para serem vitimas de um gesto bruto que involuntariamente os marque, suje, altere...transforme ? E se a ideia de os colocar aqui de forma propositada para os alterar de forma não propositada me agradar? Será puramente loucura? E se for? De facto agrada-me bastante a ideia de fazer este tipo de experiências. E se me agrada a ideia e se me atrai o objeto quando fica “sujo”... Porque não?

Nem tudo o que fazemos tem somente o resultado que esperamos.
Nem tudo o que fazemos tem somente os resultados com que contamos.
Tudo o que fazemos pode mudar tudo. Muda muito mais do que imaginamos...
Cada gesto, cada palavra, cada pensamento, cada intenção, cada escolha, cada ação por mais pequena que seja altera toda a história de formas que nem sequer podemos imaginar.
Tudo o que fazemos, tudo o que vivemos... olhando a nossa direção... tem um impacto muito maior no mundo do que aquele que vemos olhando da nossa direção. A nossa preservativa de indivíduos limitada é também a porta que nos revela toda a vastidão do mundo e todos os mistérios... A nossa perceção é tudo o que nos resta... a nossa direção é tudo o que se revela perante nós.
Da nossa ação voluntária surgem consequências não voluntárias.
Da nossa ação propositada surgem consequências não propositadas.

Das quais podemos nem sequer estar conscientes...

Diria que é importante estar-se consciente deste fenómeno.





Eu cá abraço-o.  

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