Auto-entrevista

Porquê a Pintura?

Não se trata só de pintura! É um movimento e a pintura é apenas o vestígio desse movimento.

É uma forma abstrata de se estar! É a experiência!... É adotar uma postura de quem avança e procura... e não sabendo o que procura... avança pelos mil caminhos como se fossem um. é dar uma oportunidade às coisas uma e outra vez… porque tudo é novo a cada instante que passa é explorar… e explorar é experimentar e encontrar na física com que tinta derramada cai a perfeição que não sabia que procurava."

A pintura é uma expressão poética visual e pode servir de ferramenta para expressar todo o tipo de pensamentos, ideias, ideais, sonhos e emoções.
Antigamente e na atualidade muitos a usaram para representar o realismo captado pelo olhar humano, como uma fotografia, uma perspetiva. Muitos começaram a esconder símbolos e significados ocultos nas suas pinturas. Muitos a usaram para expor emoções, estados de alma, impressões… O que quero dizer com tudo isto é que a pintura pode ter muito mais conteúdo simbólico sobre o psicológico do que imaginamos. Desenhos são pensamento. Cores evocam sentimentos. Riscos, texturas... são frequência. A pintura diz mais ao pintor sobre si mesmo do que o que ele próprio já sabe sobre si. Pintar é auto conhecer.

O que inspira?

Inicialmente os desenhos eram inspirados na natureza, no misticismo, no mistério oculto por trás das coisas. Desenhava formas geométricas e orgânicas que, partindo de um centro estavam ligadas entre si, organizando-se harmoniosamente. Procurava não a mensagem, mas a beleza. Até que a mensagem começou a chegar entre raciocínios e divagações associados ao estímulo que era criar tais organizações abstratas. A esta fase chamei mais tarde de “escola das mandalas”.
Naturalmente o tempo foi voando e os temas mudando. Outras experiências levaram-me do simbolismo abstrato dessas complexas construções para outro tipo de simbolismo mais minimalista. O simples risco bruto, a mancha natural de cores... começaram a falar comigo. A naturalidade das pinturas das crianças apelava os meus sentidos a uma natureza mais bruta, à expressão natural das coisas: menos ordenada, racionalizada, organizada. Mais forte, espontânea, viva e livre.

Qual o tema?

O tema é a vida em geral. O auto conhecer. O diálogo pessoal (com ou sem palavras). O tema é a natureza, o ser humano, as cidades, o frenesim, a revolta, a ondulação, as tempestades e ventos, as forças da natureza, as dores do crescimento. O tema não é definido, está em aberto. O tema são as várias culturas do passado a serem fundidas numa só nova cultura da atualidade. O tema é o dia a dia de hoje gerado pela história de tempos passados.
Para caracterizar o meu trabalho... diria que é uma expressão livre e um diálogo pessoal através da pintura e dos trabalhos manuais. O que faço é procurar uma nova linguagem com várias leituras possíveis e que toque a todos pelo seu impacto, sentimento e diversidade.
Sinto-me, por vezes, a evocar uma vibração que é a fusão de tudo o que absorvo no dia a dia explodindo nas obras através da complexidade das minhas emoções atuando no presente. Acabo por criar associações dentro das obras e entre as obras: associações entre símbolos, palavras, imagens e movimentos. Pode-se dizer que a forma como o faço é explosiva.
Tenho especial prazer em utilizar materiais que apanho na rua e identifico-me com a natureza do bruto, do sujo, do gasto e do usado. Gosto quando consigo um equilíbrio no contraste deste tipo de material com a vida, o colorido e o movimento (neste tipo de trabalhos sinto que a minha inspiração provém do frenesim das cidades, sempre despertas e em movimento com uma energia dinâmica e febril).
Todos os trabalhos que faço são diferentes porque todos começam com uma experiência da qual não sei que resultado vou obter à partida. Portanto o que faço é na realidade muito simples. Como já referi, é sempre um diálogo em que o trabalho interfere em mim tanto como eu interfiro nele.

Porquê expor a pintura?

Esta é uma questão complicada. No entanto posso começar por dizer que só devemos expor pelo simples prazer de mostrar o nosso íntimo semioculto nas obras e na sua disposição no espaço. Ter o simples gosto de mostrar e organizar as peças num determinado espaço. Convidar os outros a entrar nesse mundo até ao ponto em que quem vê quiser entrar. Explorar ideias já antes percorridas ou aventurar-me a entrar em novas através dos comentários de quem analisa e descreve o que vê. Expor é uma mais valia para o pintor pois há muito a aprender com os outros. Expor é abrir essa possibilidade e deixar os outros interagir nesse mundo íntimo, abrindo a porta, tornando-o acessível.
Comunicação é tudo! Conseguir comunicar coisas que não podem ser ditas é essencial para o Homem! Sensações, estados de espírito, frequências, vibrações... serão sempre uma força da natureza mais poderosa para os homens que qualquer estrutura lógica que possamos usar para tentar encaixar as coisas. As palavras são como caixinhas onde colocamos os sentidos, os significados; são caixinhas que ligamos em associação a um objeto abstrato ou concreto. Também resulta, mas quando a comunicação é feita através de sensações e emoções, a compreensão de um estado preenche-nos de uma forma muito mais direta. E isso também tem muito que se lhe diga porque cada mente criará as suas associações e tudo acaba, no final das contas, como sendo uma poesia de infinitas interpretações…. Ora isto é o que a pintura, a cor, e o movimento fazem: as ações e os objetos concretos falam sem dizer nada. Eles são a expressão em si.

O que faço não quero guardar só para mim, quero partilhar! Todos temos o potencial para descobrir qualquer coisa nova. Todos os dias, quer saibamos quer não, reinventamos a realidade! Não se trata só de pintura! É um movimento e a pintura é apenas o vestígio desse movimento.

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